domingo, 14 de abril de 2013

A última entrevista do ex-governador Dorgival Terceiro Neto




Dorgival Terceiro Neto: vocação para o acaso e competência no imprevisível

Por: Alexandre Nunes

A UNIÃO

De personalidade imune às paixões político-partidárias, o taperoaense Dorgival Terceiro Neto, teve a incumbência de um dia assumir os destinos da Paraíba como governador. Durante entrevista para A União, ele admitiu que considera a política uma atividade cara e difícil de ser exercida. Dorgival chega aos oitenta anos de idade, sem abrir mão do exercício da advocacia e das atividades culturais, como membro da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Sua passagem como redator de A União, na década de 50, é uma lembrança que faz questão de preservar, como uma das melhores épocas de sua vida. Dorgival Terceiro Neto começou seus estudos aos 12 anos, no Ginásio Diocesano, em Patos. Depois cursou o “Clássico”, no Liceu Paraibano, em João Pessoa. Concluiu o curso de Direito em 1957, na Faculdade de Direito da Paraíba. Foi prefeito de João Pessoa, de 1971 a 1974, e governador da Paraíba, de 1978 a 1979.

Como foi sua infância em Taperoá, no Cariri paraibano e como iniciou seus estudos?
Nasci em Taperoá em 12 de setembro de 1932, ano de uma seca terrível. Por lá fiquei uma boa parte da infância e só aos 12 anos é que sai para estudar em Patos. Éramos nove irmãos e meu pai, na condição de um pequeno produtor rural, não tinha condições para educar todos os filhos. Ele só tinha condição para bancar a instrução de apenas um filho e eu fui o escolhido para estudar em Patos. Por lá fiquei e estudei no ginásio Diocesano, que era dirigido pelo Monsenhor Vieira. Fiquei lá interno durante cinco anos. Mas sempre, nas férias, estava em Taperoá. Na verdade, fui criado no serviço rural. Eu e meus irmãos fazíamos qualquer tipo de trabalho necessário para a propriedade. Só em 1950 foi que vim para João Pessoa, porque só tinha curso colegial, hoje segundo grau, em Campina Grande ou João Pessoa. Em João Pessoa foi mais fácil para mim, porque tinha um primo de nome Lucas Vilar Suassuna que era diretor do Departamento de Educação, substituto eventual do secretário de Educação. Foi Lucas quem conseguiu minha vaga no Lyceu para o curso Clássico e também a minha vaga na Casa do Estudante da Paraíba. Fiquei em João Pessoa até hoje, minha segunda pátria. No entanto, não esqueço Taperoá nunca. Não a cidade em si, porém o meio rural em que me criei.
O ambiente da Fazenda Santa Maria influenciou a construção do seu universo cultural?
A minha casa lá na fazenda Santa Maria, onde nasci, era frequentada por gente ligada ao meio cultural, especificamente por representantes da literatura popular, como os violeiros e repentistas. Meu primo Ariano Suassuna frequentava a fazenda Carnaúba que fica do outro lado do rio, em frente à nossa fazenda. Então, quem ia lá visitar Ariano vinha em seguida frequentar a Fazenda Santa Maria. Ariano sempre me procurava. Lá em casa sempre apareciam violeiros como Louro do Pageú e o velho Pinto de Monteiro. Cansei de almoçar com ele lá em casa. Luiz Gonzaga nos visitava sempre, tocava sanfona, gostava de conversar com os meus pais e, por diversas vezes, pernoitou em nossa casa, na Santa Maria. Cresci convivendo com esses artistas que frequentavam as fazendas Santa Maria e a Carnaúba de Ariano.
Como foi sua vida na Casa do Estudante e qual seu círculo de amizades naquele estabelecimento, que segundo dizem, tinha inúmeras personalidades que depois se destacaram no cenário político e cultural da Paraíba?
Eu permaneci como interno na Casa do Estudante durante o período em que fiz todo o curso do Lyceu Paraibano e a metade do curso superior na Faculdade de Direito. A Casa do Estudante era um ambiente de muita leitura. No meu tempo, a juventude que morava na Casa do Estudante lia muito, a começar por José Belarmino da Nóbrega, um grande amigo que dividia o quarto comigo. Um homem muito versátil, muito culto e que lia demais. Na Casa do Estudante tinha uma boa biblioteca para quem quisesse ler. Lá também morava Gonzaga Rodrigues que veio do interior para a capital e, não tendo onde ficar, se alojou no quarto dividido por mim e José Belarmino. Como não tinha vaga para mais ninguém, Gonzaga botou uns ganchos, armou uma rede e morou muito tempo com a gente. Vivíamos comentando livros recém lançados e participando de atividades literárias que eram promovidas em João Pessoa. Sempre houve da parte do pessoal da Casa do Estudante uma maior versatilidade cultural. De lá saíram muitas pessoas ilustres, como Francisco Leite Chaves, que foi senador pelo Paraná. Leite Chaves era muito inteligente e nós o chamávamos de François porque, mesmo rapazinho, já falava francês. Wilson Braga também morou, na minha época, na Casa do Estudante, e já fazia política desde aquele tempo. Ele foi presidente da casa e eu o tesoureiro, numa época que era muito disputada a presidência naquele estabelecimento. Todos os residentes da Casa do Estudante eram empenhados em estudar.
Como se deu o seu ingresso no jornalismo e, neste universo, que amizades ainda preserva na imprensa paraibana?
Ingressei em A União na década de 50, já como redator. No jornal A União o pessoal ingressava como auxiliar de redação, como revisor, mas eu já entrei como redator. O diretor era Juarez Batista, chamado pela escritora Ângela de Castro de “O Helênico’, e era isso mesmo. Quem me levou para A União foi José Barbosa de Sousa Lima, colega de Casa do Estudante e que, naquele tempo, era o redator chefe do jornal. Foi ele quem me apresentou a Juarez e disse: esse rapaz até que escreve mais ou menos. Então, Juarez disse: aproveite ele na redação que ora está desfalcada. Na época, três redatores tinham deixado o jornal. O primeiro, que não lembro o nome, foi convidado para assumir a chefia de Gabinete do governador José Américo; o outro, Ronald de Queiroz, foi para os EUA, e o último, Otávio de Sá Leitão, saiu em busca de exercer uma formação qualquer. Como redator, passei cerca de oito anos e, durante esse período, A União foi minha única universidade e nunca deixei de reconhecer isso. O que aprendi em A União valeu mais do que tudo que aprendi na universidade, porque o jornal me colocou em contato com universo. Na redação do jornal, tínhamos que saber de tudo e isso de uma maneira bem difícil. Hoje em dia, as comunicações são mais fáceis. Naquela época era muito difícil. Nós recebíamos o noticiário através de agências, por meio de um serviço de rádio. Havia dois senhores que faziam a captação das noticias e nos entregava para serem analisadas, traduzidas e publicadas. A atividade como um todo era um aprendizado. Guardo desta  época a amizade estreita com José Barbosa de Souza Lima, um dos maiores jornalistas de A União no meu tempo. Euripedes Gadelha que já faleceu era secretário da redação. Ele era uma espécie de cozinheiro  do jornal, pois fazia os traçados com as matérias para o pessoal não se perder na paginação. Tudo naquela época era feito de uma forma muito primária, passando pelo linotipo e a velha máquina de escrever. Não havia nada de computação, nem dessa modernidade atual. Welligton Aguiar, Malaquias Batista e Arael Menezes Costa, além de Linduarte Noronha, com o seu famoso cachimbo e que escrevia sobre cinema, foram outros colegas de redação da minha época de A União. Depois que veio Barreto Neto e aí eu não estava mais lá. Muitos dos velhos companheiros não existem mais. Naquele tempo Juarez da Batista era um diretor muito exigente. O jornal tinha que ser muito bem feito. Um redator não podia cometer um erro de ortografia. Já o revisor era multado quando não corrigia os erros. Juarez era uma espécie de mentor de todo mundo. A União recebia sempre visita de pessoas muito importantes. Lembro de uma entrevista que fiz com Celso Furtado, que também foi redator de A União, e de outra entrevista que fiz com José Lins do Rêgo, que era amicíssimo de Juarez e ia sempre lá no jornal. Outro que visitou A União, na minha época, foi o ministro da Saúde Mario Pinote. Fui escalado para entrevistar esse ministro e toda conversa que mantive com esse homem importante foi uma fonte de captação de conhecimento. Então A União foi para mim uma verdadeira universidade.
O que motivou a escolha do Direito como sua atividade profissional definitiva?
Na Verdade, na condição de filho de agricultores, minha vocação era para ser engenheiro agrônomo, mas aconteceu que um amigo meu, Onaldo Almeida Soares, me conseguiu um emprego assim que terminei o curso clássico no Lyceu e nesse caso pensei: se for para Areia cursar Agronomia, vou perder o emprego. Não fui agrônomo por conta desta circunstância. A escolha do direito foi meio aleatória, mas motivada por uma razão: o medo da matemática. O vestibular naquela época para Medicina, Engenharia, era muito rigoroso e exigia muito conhecimento de matemática e eu sempre fui avesso à matemática. Eu tinha muito medo de prestar vestibular e passar por uma vergonha. Então fiz o vestibular de Direito e me dei bem, me classificando em quinto lugar. Fiz Direito não na intenção de ser advogado. Pensava em ser magistrado. Aconteceu que quando terminei o curso, o desembargador Mário Moacir Porto, um grande amigo e uma das maiores culturas da Paraíba, quando soube que eu estava inscrito num concurso para juiz, disse que eu não ia ser juiz, mas trabalhar com ele e me nomeou subsecretário do Tribunal de Justiça da Paraíba. Mas uma vez tive a minha vocação cortada. O secretário do tribunal era Celso de Paiva Leite, que foi fazer um curso fora. Daí Mário me nomeou secretário do TJ da Paraíba. Quando ele saiu do tribunal e foi para Universidade Federal, me levou e me nomeou secretário geral da instituição. Acabei sendo advogado e até hoje milito na área, com mais de 50 anos de profissão. Todos os meus filhos, um filho e duas filhas, formaram-se em Direito, e já estou com três netos formados também em Direito. Eles não quiseram outra profissão e seguiram o meu rumo. Então, hoje estou com o escritório cheio de netos advogados e trabalhando comigo.
Como se deu a sua entrada na política?
Eu nunca fui político, nunca tive gosto pela atividade política, que acho difícil, principalmente pela falta de lealdade. Pode até ser um defeito, eu sou meio ríspido e rude no relacionamento político. Eu nunca tive vocação para isso. Política é uma atividade cara e difícil de ser exercida. Na verdade, não existe sinceridade na política e por isso nunca me encantei por política. Fui nomeado prefeito de João Pessoa por Ernani Sátyro.  A prefeitura estava um bagaço e tive que exercer um trabalho árduo para ajeitar a prefeitura, colocá-la nos eixos e implementar um  plano diretor da cidade. Na ocasião, executei uma porção de obras importantes, como a maior galeria já construída na capital, saindo do bairro dos Estados e terminando em Mandacaru. Em alguns pontos a escavação chegou a 13 metros de profundidade. Era uma obra enterrada que não tinha nem como inaugurar. Só me preocupava com coisas que traziam benefícios sociais. Quando Ernani Sátyro deixou o governo, eu ainda estava na prefeitura e vinha Ivan Bichara para o Governo do Estado. Ivan me chamou e disse que queria que eu fosse o vice-governador. Ponderei que não tinha em meu currículo um desempenho na atividade política. Ele disse que estava fora da Paraíba há muito tempo e que precisava de alguém que conhecesse os problemas do estado. Disse a ele que o auxiliaria no que pudesse e terminei aceitando o convite. Fiquei como vice-governador até quando ele se retirou para se candidatar ao Senado. Tive que assumir o Governo do Estado, onde fiquei durante sete meses. Fui prefeito e governador quase sem querer, sem pedir e sem saber. Foi assim que exerci cargos políticos e graças a Deus me sai bem. No entanto, nunca tive interesse em ser candidato a nada.  Quando estava para deixar o governo, houve um movimento das classes empresariais  para eu ser deputado federal.  Houve até um jantar no Cabo Branco, quando agradeci a todos e disse que não queria ser deputado, porque não tinha vocação para isso. Eles ficaram decepcionados, mas teve que ser assim, porque eu não queria ser político mesmo.
O que representou para um taperoaense chegar a governar os destinos da Capital e do Estado da Paraíba?
Eu nunca imaginei que nascido em taperoá , num pé de serra, eu viria a ser prefeito da Capital e governador do Estado. Quer dizer, é o destino que traça o caminho e a gente vai seguindo, conduzido pela mão como uma criança. Eu cheguei a esses cargos todos, como já falei, sem querer, sem pedir e sem saber. No entanto, para mim foi uma grata surpresa. Mesmo assim, não gostaria de voltar a exercê-los.  É tudo tão difícil, é uma vida tão mal vivida, noites mal dormidas e de muitas preocupações, que você sacrifica a vida na condução desses cargos. Para quem quer exercê-los de qualquer jeito, não tem problema. Mas, no meu caso não, pois sou carregado de responsabilidade. Toda vida fui assim. Muitas vezes saia da prefeitura de meia-noite. Esse trabalho me consumia, então não gostaria mais de exercê-lo, de jeito nenhum.
Fale sobre sua incursão acadêmica na cátedra do Direito e na Academia Paraibana de Letras.
O professor de Direito Civil da Universidade era Mário Moacir Porto. Para onde ele ia me levava. Quando ele foi federalizar a universidade, fui encarregado de um trabalho imenso, juntamente com um pouco mais de meia dúzia de funcionários. O objetivo era tornar a universidade um órgão federal de ensino. Na época, as faculdades eram particulares. O trabalho de tombar todo o patrimônio da universidade me consumiu mais de dois meses. Um trabalho imenso que, quando terminou, somou 72 kg de papel. O reitor Moacir Porto viajou para Brasília levando 72 kg de papel, que era o trabalho de vários meses. Mário me nomeou assistente dele. Comecei no ensino acadêmico pelas mãos dele. Fui assistente e depois assumi a titularidade da cadeira, até chegar à aposentadoria. Entrei na Academia Paraibana de Letras através de uma eleição em que fui candidato único. Eu tinha editado um livro na universidade, quando me elegeram para a APL.
Quais os livros que lançou?
Já publiquei os livros "Gente de ontem, história de sempre", "Paraíba de ontem, evocações de hoje", "Taperoá - crônica para a sua história", e ainda o livro "Noções preliminares de Direito Agrário”. Também me tornei membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano por conta dos livros que publiquei e também porque eu escrevia para o jornal trabalhos sobre a história. Apesar disso, eu não sou historiador, sou historiógrafo, o que é outra coisa.
Comente sobre a conjuntura política atual e que mudou de sua época em relação aos tempos atuais.
Eu assisto as campanhas políticas tem mais de 50 anos, e não mudou nada. É sempre a mesma coisa. A gente vê essas promessas de campanha. É um prometo isso, prometo aquilo e, no final das contas, fica só na promessa. O que mais me preocupa na Brasil é a falta de honestidade. Até parece que existe um germe que toma conta dos homens públicos. Toda semana tem um escândalo, tipo “mensalão”. Sempre roubam e não é pouco não. Tem escândalo todo dia. O Brasil, na verdade, é um país rico e com uma potencialidade que faz até inveja aos outros países, mas, da maneira como está, com essas administrações desastrosas, vai terminar, na verdade, na miséria. O progresso do país seria bem maior se procedessem com honestidade. O dinheiro sobrava e daria para tudo. Mas, atualmente,  roubam muito, não sobra para nada, ou sobra para muito pouco.  Terminam fazendo as coisas pela metade, ou fazendo apenas uma terça parte daquilo que prometeram fazer.
Como foi a sua amizade co o ex-presidente Juscelino Kubichek?
O Brasil já teve bons administradores como, por exemplo, Juscelino Kubichek, um grande amigo meu, que sempre me visitava, quando vinha à Paraíba. E quando eu ia ao Rio de Janeiro fazia questão que eu fosse lá visita-lo. Eu e Juscelino nascemos no dia 12 de setembro, ele tinha um escritório no Rio de Janeiro só para receber os amigos. Foi lá onde conheci Joubert de Carvalho, o homem que compôs a musica Maringá. Todo dia Joubert de Carvalho ia lá conversar com ele. Juscelino era seresteiro e Joubert de Carvalho um grande pianista, com muitas músicas bonitas. Conheci ainda o Pianista Bené Nunes que todo dia também frequentava o escritório de Juscelino. O ex-presidente da República ficava chateado quando sabia que eu tinha andado no Rio de Janeiro e não tinha ido visitá-lo. Eu gostava muito de Juscelino e lamentei sua morte. Não sei de onde ele tirava essa ideia, mas sempre me dizia que ia ter uma morte violenta.


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